EVANGELHO DA TERRA SEGUNDO A SERPENTE 


Este livro é a criação de um novo Evangelho, de uma religião híbrida, como sua estética literária, que assistimos ser mexida dentro de um caldeirão. Dentro de uma cumbuca. Pelas mãos das primeiras mulheres convocadas, as mulheres que abrem esta obra e que nos indicam: isso aqui é também sobre ancestralidade.
Ancestralidade, memória, rejeitar o esquecimento. Lutar para que nada seja apagado. Nem o grito, nem o choro, nem a risada. Porque este Evangelho segundo a Serpente é um livro muito bem-humorado. Talvez sarcástico. Escrito por mãos zombeteiras. É um livro capaz de jogar com o Velho Testamento e a Velha Religião, juntá-los, transformar um velho capitão de uma arca em uma mulher que bebe nua em sua tenda. É uma obra que coloca nome de mulher a cada contagem de arcano. Contar o tarô com Natalia Amoreira é uma experiência sensorial. Entre prosa e poema, o corpo se arrepia, o âmago se emociona. Muitas vezes o que vem é dor, puro sofrimento. A autora é precisa em denunciar injustiças e violências. Chama quem entende de morte para que fale junto dela, como quem faz coro. Muitas vozes femininas unidas.
O Evangelho da Terra não é de respostas fáceis; primeiro, é de inquietações. É um livro que deseja. Quer que você o leia ao lado de outro livro, ou com a tela de pesquisa aberta. Vá em frente, digite os números das cartas do tarô, pesquise sobre a Temperança e a Cova dos Leões. Talvez você não tenha passado por essa formação cristã, talvez não saiba sobre os primogênitos mortos no Egito. Tudo bem, porque Natalia Amoreira escreveu esta obra para te apresentar um mundo de centenas de introduções. E elas serão feitas do jeito certo. Poético, livre, misturado, decifrável. Acessível. Embora sua estética seja trabalhada com diligência, e cada palavra flua no ritmo que parece pensado e planejado para ser lido em voz alta, ele é possível. Digo: quando há verdade na escrita, é assim. Somente uma escritora de honestidade palpável escreveria sobre a ditadura militar e a escravidão no Brasil fazendo uso desses recursos. É a primeira vez que leio desse jeito! É muito difícil trabalhar com símbolos dessa natureza e não repetir figuras cansadas. No entanto, Natalia Amoreira surpreende com sua sopa de hebreus, pagãos, orixás e política contra nosso peito. Este é um livro para ler entre recuperações. Intenso, impressionante. Parei muitas vezes para me permitir observar a consistência que escorrem das páginas: feita de incenso, terra, lama e sangue.


Jarid Arraes

editora urutau

Natalia Amoreira, Rio de Janeiro/ São Paulo. 
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